quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Cebola crua com sal e broa de Miguel Sousa Tavares

        Opinião: Miguel Sousa Tavares é um autor que me despertar algumas ambivalências sentimentais. Como comentador não o consigo ouvir, mas como escritor acho que é bastante interessante. No entanto, um saudoso escritor, e que fez o favor de ser meu amigo, dizia que não podemos avaliar o autor pelo homem e eu assim tento fazer com Sousa Tavares.
     Foi por isso que arranjei uma situação de compromisso: não compro os livros e peço empestados. Assim sendo, quero agradecer à Maria João Diogo a sua amabilidade e disponibilidade para me emprestar o livro. Ela é a responsável pelo Blog A biblioteca da João que aconselho vivamente a irem ver, caso ainda não conheçam.
       Mas vamos a este Cebola crua com sal e broa que foi publicado pelo Clube do Autor em maio. Não se trata de um romance, nem mesmo de um livro de viagens como é habitual neste autor. Quando muito é uma viagem ao seu passado, à sua vida e aos vários aspetos que condicionaram e o tornaram no homem que é homem.
     Sendo uma obra muito mais intimista do que as suas habituais e onde o escritor acaba por revelar honestamente (se por ventura há honestidade em literatura) a sua alma e os seus pensamentos e sentimentos, Miguel Sousa Tavares conta-nos algumas das circunstâncias da sua vida, das suas opções e de como construiu as opiniões que hoje todos nós lhe conhecemos.
    O livro é bastante interessante para quem, como eu, se interessa pelo passado recente do nosso país, pelas várias visões que uma mesma história pode ter, aliadas a uma vivência com todos os grandes do seculo XX, incluindo aí a sua mãe Sophia e o seu pai Francisco.
    No entanto eu achei que em toda a descrição existia uma certa ironia, associada a uma certa amargura que vai ao encontro das suas afirmações enquanto comentador. Pareceu-me que o autor viveu momentos únicos e interessantes, embora, em certas conjunturas se note um algum fel, como se ainda não tivesse feito as pazes com o passado.
       No final foi uma obra que gostei de ler, pois também há momentos, em que a sua história é a história de todos nós enquanto povo. Se concordo com tudo? Não. Se aquela é a minha visão? Em certos aspetos também não, embora eu tenha sido mais espetadora, e o autor mais interveniente.
     Por isso, e a pesar de todas as reservas, é um livro que aconselho sem dúvida nenhuma.


       Sinopse: Eterno contador de histórias, o autor dá vida aos seus primeiros anos: da infância à juventude, dos jornais à política. O testemunho de uma vida única com a História contemporânea de Portugal como fundo.
       Uma quinta no Marão e a escola igual para todos. Os Verões nas praias da Granja e de Lagos. "Melville" e a pesca da lula «ao candeio». Uma casa diferente e alternativa. Marcelo e as lutas estudantis. O pai e o 25 de Abril. A PIDE e as loucuras do PREC. O trabalho no Estado. A liberdade nos jornais e o fascinante mundo da televisão. Soares, Guterres e Sócrates. As paixões pelo jornalismo e pela literatura. As promessas de vida cumpridas e as juras por cumprir...
     «Pode um homem viver impunemente começando a sua infância numa aldeia do Marão, comendo cebola crua com sal todas as merendas? Daí saltar para o mundo cinzento e as manhãs submersas da vida salazarenta da Lisboa dos anos sessenta? Acordar na manhã luminosa do 25 de Abril e descobrir que, afinal, éramos todos anti-fascistas e revolucionários e, logo depois, ir ao encontro do mundo e descobrir-se a si mesmo como uma testemunha privilegiada de tempos incríveis que, não os narrando, teria sepultado para sempre na cinza dos dias inúteis? Declaro que vi. E, por isso, conto. Antes que a água tudo lave e apague.»


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